quarta-feira, 2 de novembro de 2011

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


 
31 de outubro é o dia de nascimento do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. O poeta itabirano, dono de uma grande ironia, poeta de versos livres ,com grande teor social. Drummmond  nos deixou em 1987 e ficamos órfãos da sua poesia lúcida, que num poema era irônico, em outro poema abraçava-se ao erotismo. Não poderia deixar de citá-lo pela passagem do dia do seu nascimento.






  • Poema de sete faces
    Quando nasci, um anjo torto
    desses que vivem na sombra
    disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
    As casas espiam os homens
    que correm atrás de mulheres.
    A tarde talvez fosse azul,
    não houvesse tantos desejos.
    O bonde passa cheio de pernas:
    pernas brancas pretas amarelas.
    Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
    Porém meus olhos
    não perguntam nada.
    O homem atrás do bigode
    é sério, simples e forte.
    Quase não conversa.
    Tem poucos, raros amigos
    o homem atrás dos óculos e do bigode.
    Meu Deus, por que me abandonaste



    Hino nacional
    Precisamos descobrir o Brasil!
    Escondido atrás das florestas,
    com a água dos rios no meio,
    o Brasil está dormindo, coitado.
    Precisamos colonizar o Brasil.
    O que faremos importando francesas
    muito louras, de pele macia,
    alemãs gordas, russas nostálgicas para
    garçonnettes dos restaurantes noturnos.
    E virão sírias fidelíssimas.
    Não convém desprezar as japonesas.
    Precisamos educar o Brasil.
    Compraremos professores e livros,
    assimilaremos finas culturas,
    abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
    Cada brasileiro terá sua casa
    com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
    salão para conferências científicas.
    E cuidaremos do Estado Técnico.
    Precisamos louvar o Brasil.
    Não é só um país sem igual.
    Nossas revoluções são bem maiores
    do que quaisquer outras; nossos erros também.
    E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
    os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...
    Precisamos adorar o Brasil.
    Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
    no pobre coração já cheio de compromissos...
    se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
    por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.
    Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
    Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
    ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
    O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
    Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
    Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

    José
    E agora, José?
    A festa acabou,
    a luz apagou,
    o povo sumiu,
    a noite esfriou,
    e agora, José?
    e agora, você?
    você que é sem nome,
    que zomba dos outros,
    você que faz versos,
    que ama, protesta?
    e agora, José?
    Está sem mulher,
    está sem discurso,
    está sem carinho,
    já não pode beber,
    já não pode fumar,
    cuspir já não pode,
    a noite esfriou,
    o dia não veio,
    o bonde não veio,
    o riso não veio,
    não veio a utopia
    e tudo acabou
    e tudo fugiu
    e tudo mofou,
    e agora, José?
    E agora, José?
    Sua doce palavra,
    seu instante de febre,
    sua gula e jejum,
    sua biblioteca,
    sua lavra de ouro,
    seu terno de vidro,
    sua incoerência,
    seu ódio e agora?
    Com a chave na mão
    quer abrir a porta,
    não existe porta;
    quer morrer no mar,
    mas o mar secou;
    quer ir para Minas,
    Minas não há mais.
    José, e agora?
    Se você gritasse,
    se você gemesse,
    se você tocasse
    a valsa vienense,
    se você dormisse,
    se você cansasse,
    se você morresse...
    Mas você não morre,
    você é duro, José!
    Sozinho no escuro
    qual bicho-do-mato,
    sem teogonia,
    sem parede nua
    para se encostar,
    sem cavalo preto
    que fuja a galope,
    você marcha, José!
    José, para onde?

    A bunda, que engraada
    A bunda, que engraçada.
    Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
    Não lhe importa o que vai
    pela frente do corpo. A bunda basta-se.
    Existe algo mais? Talvez os seios.
    Ora - murmura a bunda - esses garotos
    ainda lhes falta muito que estudar.
    A bunda são duas luas gêmeas
    em rotundo meneio. Anda por si
    na cadência mimosa, no milagre
    de ser duas em uma, plenamente.
    A bunda se diverte
    por conta própria. E ama.
    Na cama agita-se. Montanhas
    avolumam-se, descem. Ondas batendo
    numa praia infinita.
    Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
    na carícia de ser e balançar
    Esferas harmoniosas sobre o caos.
    A bunda é a bunda
    redunda.



    Confidência do Itabirano
    Alguns anos vivi em Itabira.
    Principalmente nasci em Itabira.
    Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
    Noventa por cento de ferro nas calçadas.
    Oitenta por cento de ferro nas almas.
    E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
    A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
    vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
    E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
    é doce herança itabirana.
    De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
    esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
    este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
    este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
    este orgulho, esta cabeça baixa...
    Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
    Hoje sou funcionário público.
    Itabira é apenas uma fotografia na parede.
    Mas como dói!

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário